No dia 28 de fevereiro teve início a Conferência Contemporânea de Bolsistas (CSC) do programa de 2015 da Nuffield International. Cerca de 75 profissionais de diversos setores relacionados ao agronegócio se reuniram em Reims, na região de Champagne-Ardenne, França, para discutir os rumos da agricultura mundial, sob desenvolvimento de um setor agrícola inovador e dinâmico.
Esse foi o primeiro contato que fiz com os outros bolsistas, com os representantes da Nuffield de cada país, e com a série de ações desenvolvidas pela organização em colaboração global. Jean Lonie, representante da Nuffield EUA, nos deu a perfeita definição da conferência, logo em sua primeira fala: estávamos todos ali para ter nossas mentes esticadas, nossos conceitos confrontados e nossa visão ampliada. Trata-se de um verdadeiro exercício de compreensão das inúmeras esferas e realidades ao redor da agricultura de que não nos damos conta existirem.
Desde sempre, a História é determinada por pessoas que tomam para si a responsabilidade de transformação, e assumem a dianteira. A conferência tem esse objetivo, preparando a próxima geração de líderes na agricultura através da articulação das mais relevantes e atuais pautas do agronegócio mundial (sucessão, sustentabilidade, superpopulação, gerência, dentre outros).
Foram sete dias de trabalho intenso, conhecendo pessoas de todas as partes do mundo, estudando, discutindo, idealizando... Todo o conteúdo nos foi muito valioso e instrutivo, mas farei aqui uma imersão aos eventos que mais me acresceram:
Dia 1: linha do tempo de minha vida. Basicamente, montamos um gráfico cujo eixo X marcava anos de vida a datar do nascimento, onde retrataríamos acontecimentos determinantes em nossa história (bons e não tão bons), e o eixo Y marcava a escala de importância de tais fatos. Foi um excelente exercício para refletir a nossa trajetória de vida até aquele exato momento, e o usamos para nos apresentar aos colegas bolsitas.
Dia 2: a palestra de Edwin Van Raalte, a primeira e, pessoalmente, mais atual e completa sobre os dilemas que envolvem o futuro da agricultura. Discutimos a questão da crise global de alimentos, sob as premissas centrais de crescimento populacional (158 pessoas nascidas por minuto no mundo), desperdício (se todo o alimento desperdiçado se originasse de um país, este seria a 3ª economia no ranking geral) e sucessão (a cada 20 anos, o número de produtores rurais é reduzido pela metade). Segundo Edwin, o crescimento médio da produção agrícola é de 1,4%, enquanto o estimado seria de 1,75%.
Edwin Van Raalte e o futuro da agricultura |
A questão do desperdício muda de perspectiva a depender do grau de desenvolvimento das nações. Em países desenvolvidos, o desperdício é mais grave a nível de consumidor final, enquanto que em economias em desenvolvimento perde-se muito ao longo da cadeia de valor, evidenciando a necessidade de aprimoramento das técnicas de produção e logística.
Dia 3: a visita às instalações do cluster Agro-Recursos e Indústria (IAR)/Cristal Union. A IAR apoia modelos de negócio baseados no princípio da biorefinação, responsável pelo uso integral das plantas (não há matéria inutilizada). Seus benefícios envolvem: o uso exclusivo de matérias-primas renováveis, independência de fontes de origem fóssil, redução da emissão de gases de efeito estufa, supressão do desperdício de insumos agrícolas e suporte ao desenvolvimento econômico de áreas afetadas pela migração da indústria.
A excursão contou com o direcionamento de Jean-Marie Chauvet e introdução prévia de Olivier De Bohan, presidente da Cristal Union, cooperativa que representa mais de 40% de toda a beterraba produzida na França, para fins de açúcar e etanol.
Jean-Marie Chauvet durante a visita ao cluster IAR |
Dia 4: o quarto dia foi, pessoalmente, um dos mais interessantes, pois entramos na pauta do uso de materiais geneticamente modificados, seus benefícios e restrições. Marie-Cécile Hénard, agrônoma e economista responsável por inovação e mercados na organização saf agr’iDées, discutiu a falha de comunicação entre ciência e agricultura, e seus reflexos na percepção da sociedade. Geralmente, os órgãos responsáveis pela formulação e estabelecimento das leis estão distantes da agricultura e sua realidade.
Isso faz com que a adoção de organismos geneticamente modificados (OGM) se dê em profunda desigualdade em vários países, gerando empecilhos ao trading global e à construção de um marco regulatório legal mais unificado e coeso. Além, tecnologias originadas em países cuja maioria da população tem visão contrária aos OGM tendem a excluir essa importante ferramenta em seu processo de desenvolvimento, como a agroecologia, de grande relevância na França, que acredita que a otimização de agroecossistemas e biotecnologia são excludentes.
O mesmo país, ainda segundo Marie-Cécile, importa aproximadamente 30 milhões de toneladas de soja GM todos os anos para se produzir ração animal. Observa-se, portanto, como a veiculação de informação pode ser defasada, e como isso impacta na escolha do consumidor final, que apoia a proibição de pesquisas em biotecnologia com direcionamento à agricultura (principalmente na Europa).
Dia 5: a fala muito especial de Jean-Pierre Beaudoin, ex-presidente do Grupo i&e, nos fez questionar a forma pela qual nos comunicamos, e se atingimos os objetivos almejados sob essa comunicação. Jean-Pierre enfatizou a desconexão entre o ideário comum do homem urbano e do homem rural. Os estereótipos apontam para o consumidor como multifuncional, urbano e “mimado”, enquanto o homem rural é visto como um “cliché”, alheio às questões sociais que não abrangem a agricultura e subsidiado, impossibilitado de ser completamente autônomo em seu negócio.
Como resultado desses preconceitos, Jean-Pierre aponta os 30% de desperdício global de alimento e a nossa incapacidade em distinguir racional de razoável, comunicação de relação. Foi um verdadeiro despertar a todos nós.
Jean Pierre Beaudoin discutindo comunicação |
Dia 6: a conversa muito interessante e descontraída com Géraldine Weber, Fanny Mingam e Pierre Martin, integrantes da Bio3G, sobre estímulos à liderança através do desenvolvimento de habilidades pessoais. Os principais pontos para se estabelecer parâmetros de liderança são: faças o que dizes fazer e digas o que fazes, assuma riscos, adapte-se ao trânsito de gerações, valorize o conhecimento dos colaboradores, preste atenção nas pessoas, dedique-se a elas e estimule-as a desenvolver suas habilidades criativas, imaginativas, emocionais.
Um ambiente de trabalho colaborativo e de confiança interpessoal é fundamental para se estabelecer princípios de respeito e alegria nas empresas.
Jantar muito especial no Mumm |
Dia 7: no sétimo dia, de fechamento dessa incrível semana, dividimos os bolsistas em grupos de cinco a sete pessoas para discutir e propor mudanças em temas centrais da agricultura de abrangência global. O grupo em que participei discutiu o papel do produtor rural na construção de novos mercados em países em desenvolvimento, assunto muito pertinente ao Brasil.
Chegamos às conclusões (embora não definitivas), de que é preciso entender o mercado e o melhor acesso a este, promover cooperação e organização direta entre produtores de diversos países, desenvolvendo-se uma relação de ganha-ganha, investir na adoção de tecnologia (acesso a e adoção de) e explorar uma maior retenção de valor de mercado de commodities agrícolas a nível do produtor, amenizando o uso desses produtos como mecanismo de especulação.
Foi uma ótima maneira para abrangermos todos os tópicos discutidos nessa semana de intenso trabalho.
Atividade de encerramento da conferência |
Eu não poderia imaginar uma maneira melhor de ser introduzida ao programa da Nuffield senão através da CSC. Fui apresentada a dezenas de pessoas inteligentes, dinâmicas, bem-sucedidas e sempre tão dispostas a transmitir conhecimento, estudei a agricultura global sob diferentes perspectivas e, realmente, tive minhas concepções confrontadas inúmeras vezes e, o mais importante, fiz amigos. Amigos para a vida. Me senti acolhida e bem-vinda por todos os integrantes Nuffield, e deixei Reims em meados de março com a certeza de que este será um ano de muito trabalho, alegria e parceria.
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